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Estudante de jornalismo, apaixonado por Chicklit, música, seriados e devaneios.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A navalha do cabo de marfim

Aquela ligação era tudo o que ela precisava para perder a paciência. O dia já não estava sendo o melhor. Sabe quando você sente o dia manipulando tudo ao seu redor apenas com intuito de te irritar? Pois bem, o dia estava fazendo isso com excelência. Então ela recebe uma ligação anônima dizendo que uma de sua melhores amigas está na mesma boate que seu ex namorado. Besteira! Realmente, seria besteira se não houvesse aquela insinuação na voz da anônima.

Já passava de uma da manhã, o sono estava chegando, sutil. Entre bocejos e cochilos rápidos, ela assistia qualquer filme desinteressante na TV. Por que aquela filha-da-puta-que-ela-não-sabia-quem-era tinha que ter ligado? Num átimo de segundo algo a acordou por dentro e aquela informação expulsou completamente o sono. Ela nem iria ligar. Não! Ela iria a boate ver com seus próprios olhos o que desejava com todas as suas forças que não estivesse acontecendo. Já havia muito tempo que o namoro terminara, entretanto, não era nenhum sentimento a ele que movia sua ira. Ou talvez até fosse. No entanto, sua amiga presenciou todo o seu sofrimento e toda a luta pra se livrar de qualquer resquício de sentimento que pudesse ainda ser nutrido. Existia para elas uma ética de amizade, e as regras desta não poderiam ser quebradas assim, com pouca importância. Não, ela não iria ficar em casa. Não sabendo que naquele momento sua amiga poderia estar traindo aqueles valores.

Colocou sua melhor roupa e chamou um táxi. No caminho, foi pensando no que faria se os encontrassem juntos porque, de qualquer forma, o máximo seria uma conversa ou gritaria qualquer. Perdida em devaneios, percebeu que estava na porta da boate. Apalpou a lateral da perna e sentiu sua navalha de cabo de marfim por baixo do vestido preto colado. Ela entrou. Como sempre, todos a olharam em sua elegância, seu ar misterioso e o meio sorriso sem direção. Falou com um ou outro e logo descobriu onde eles estavam. Quando pode avistá-los, para sua surpresa, eles dançavam em direção oposta, como se não se conhecessem. Aquela ligação era um joguinho baixo, ela tinha certeza. Aquela filha-da-puta tinha ligado só pra brincar com a sanidade dela! E o pior é que ela poderia estar ali, de longe, rindo de sua cena patética. Já que ela estava lá, tinha que ser ao menos cordial, pra disfarçar. Respirou fundo e foi primeiro em direção a amiga, dançando. Quando ela a viu, abriu seu maior sorriso surpreso e foi correndo abraçá-la; entre gargalhadas, se abraçaram e dançaram por algum tempo. Tempo necessário para que seu ex a percebesse e, insinuante, fosse com seus olhares sedutores em sua direção. Porque embora o namoro já estivesse morto, seu ex era do tipo que não dispensava sacanagem. Ela ou outra, tanto fazia, ele só queria mesmo provar para si mesmo que era bom o suficiente para conseguir quem quisesse; do tipo de gente pequena que tem como objetivo de vida ser bonito, gostoso e eternamente conquistador. O ódio de relembrar quem ele realmente era e o quanto ela se deixou enganar enquanto estavam juntos a tomou de uma forma incontrolável, mas, ainda assim, elegante, ela retribuiu o sorriso e o abraçou, dançando.

Em meio ao ritmo frenético da música eletrônica, lembranças aos milhares nublaram sua mente e as cenas foram ficando mais rápidas, misturando-se ao sorriso débil do ex que tentava beijá-la. As mãos dele passeavam em seu corpo e a batidas da música ficavam mais altas enquanto os flashes do estrobo dificultavam sua visão. Absorvida pela insanidade que a envolvia, ela tirou a navalha da perna e agilmente rasgou o abdômen do outro. Segurou seu orgasmo – sem sucesso – enquanto via a expressão de dor no outro. Virou-se para voltar à roda onde estava sua amiga. Havia muita gente dançando e a luz oscilante seria o disfarce perfeito. Foi o disfarce perfeito. Não que ela quisesse que o outro morresse ali, sem seu assassino ao lado, gargalhando seu ódio. Antes de voltar para o lado dele havia outra coisa. Com seu maravilhoso sorriso montado, voltou para o lado da amiga e nem se deu o trabalho de começar uma nova dança. Já começara o que viera fazer, então, foda-se. Com a navalha ainda pingando, rasgou a laringe dela que, estupefata, caiu no chão. Nesta hora alguém já gritava a primeira morte. As luzes da boate foram acesas e todos os que estavam na pista de dança se afastaram, espremendo-se nas paredes. De um lado, sua amiga tentando debilmente estancar o sangue da garganta rompida, do outro, seu ex, caído, sem vida, somente o escarlate vivo que se espalhava por sua blusa branca dava alguma cor naquele corpo. E ela no meio, com a navalha ensanguentada na mão, gargalhando histericamente enquanto os outros, amedrontados, gritavam e se encolhiam.

Lentamente, foi andando em direção a amiga que tentava sobrevier sem muito sucesso a seus pés, e vagarosamente, com o olhar sem foco, levantou sua cabeça pelos cabelos e acabou de dilacerar seu pescoço, jogando-a para o lado como um saco de lixo. Enquanto as pessoas gritavam, naturalmente, ela foi andando em direção ao ex caído no chão. Pisou em seu rosto com a sola de sua bota cano longo 15 e percebeu que ele estava realmente morto. A insanidade nocauteou sua mente mais uma vez e ela se jogou ao lado dele, retalhando inúmeras vezes o corpo morto. Uma vez que a plateia estarrecida havia parado de gritar, ela levantou com classe, jogou os cabelos como uma sensual vampira de sede saciada, olhou para os corpos e para os que ali estavam e, como um felino, foi andando em direção a saída, brincado com a navalha entre os dedos. Passou pela porta como se nada tivesse acontecido e entrou no primeiro taxi que viu, deu o endereço do destino e seguiu. Poderia ter sido uma injustiça, mas se eles realmente estivessem... Antes de ela chegar... E se ela tivesse visto os dois... Foi retirada bruscamente de seus pensamentos ao ouvir as sirenes dos carros de polícia e das ambulâncias que seguiam em direção contrária ao táxi. Deu seu famoso meio sorriso ao taxista que a olhava pelo retrovisor e seguiram. E então o dia não tinha sido tão ruim assim.


♫ ... And Their Eulogies Sang Me To Sleep - The Agonist

- 20:28h

Lohan;

3 comentários:

  1. Magnificamente bem escrito. Assustador.

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  2. Como sempre arrasando no texto! Muito bom mesmo. Um dia se escrever um livro, pode ter certeza que será sucesso! =D

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  3. Tô chocada =OOO
    Já disse que vc é fantástico?!
    Te amo.

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